Ódio velho não cansa*
ou
17 anos é muito tempo
(declaração de interesses: sou amigo de Augusto Seabra desde 75/76. Cruzei-me com ele numa aventura política, o MES, e posteriormente fomo-nos encontrando e desencontrando em sessões de cinema, concertos, livrarias, idas ao teatro para não falar em bares onde se reinventava o mundo. Tenho-o por uma das pessoas mais cultas e mais honestas que conheço. Nunca vendeu a pena por favores, conhecimentos ou compadrio. Nunca se vendeu, coisa bem rara hoje em dia. Ler Seabra hoje é, rigorosamente, lê-lo há vinte, trinta ou mais anos, pese embora um que outro ajuste que o tempo e os autores também mudam, muitas vezes para melhor. Quisesse Seabra vergar a espinha ou refrear a língua e hoje era rico e famoso. )
O sr. João Soares é, para surpresa de muitos, espanto de todos e vergonha nacional, ministro da Cultura. Conseguiu-se, assim, provar que depois de Carrilho, outro valentaço, e da inominável senhora Canavilhas, havia ainda lugar a pior, muito pior. Estas duas criaturas, três se contarmos o sr. Soares, fazem ter saudades de Santana Lopes, o que não é dizer pouco.
A que vem, contudo, esta chamada do insignificante Soares às páginas deste blog? Pois muito simplesmente a uma sua antiga (e reactualizada) promessa de ferrar dois bofetões na cara escanzelada e antiga de Augusto M Seabra.
Ao que parece a promessa das “lambadas” vem de 1999, isto é do século passado!!!
Há 17 anos que este para de “lamparinas” está prometido ao crítico. 17 anos é muito tempo, tempo a mais. Se as prometidas e incumpridas estaladas tivessem o mesmo juro dos dinheiros públicos a coisa, por esta altura traduzir-se-ia num “arraial de porrada”, numa sarabanda tremenda e medonha que transformaria a face esmaecida de Seabra numa waste land, caso nos seja permitido citar T.S . Elliott, poeta que, eventualmente, o sr Soares conhecerá pois há várias e antigas traduções portuguesas.
É que, vejamos, uma promessa de dois tabefes feita em 1999, e depois acintosamente postergada por quase dúzia e meia de anos, é um cúmulo, uma falta de educação, uma ofensa. Então alguém torna-se credor de uma agressão anunciada aos quatro ventos e passa seta carrada de anos sem que as ventas se avermelhem pela marca de quatro dedos?
Como é que é possível que o heroico sr. Soares nunca tenha conseguido lobrigar o temível Seabra que, como o doce da Teixeira, está sempre visível em tudo o que mexe culturalmente?
Será que promitente agressor se desencontrou inexplicavelmente com o putativo agredido em todas estas centenas de oportunidades? Meditemos: enquanto se Seabra acode a S Carlos para a ópera, está Soares numa corrida de toiros em Salvaterra. Se acaso é uma vernissage na S Mamede, está Soares numa sessão de bingo em Caneças. Se é na Gulbenkian que acontece um concerto, anda Soares pelo Intendente a comprar caril em pó. Sempre, acrescente-se, na pista do crítico que pelos vistos o insulta copiosamente desde esses longínquos anos noventa. Já é azar! Que digo, azar?. É um “galo” tremendo, máxime um “crespo” infernal, uma maldição, um desconsolo, uma úlcera no duodeno, uma fístula no dito cujo, um ataque de hemorroidal medonho que nenhum medicamento susta, assusta ou socorre.
Anda, pois, uma criatura por aí, munida de um par de mãos desocupadas, com luvas cirúrgicas para calçar no momento em que, finalmente, aleluia!, glória!, viva, viva, viva!, der pelo evanescente crítico e lhe arrear o prometido (e devido) exemplar castigo, com os juros de tantos e tão sofridos anos, e nada!
Ao longo de muitas décadas, dei comigo a não falar com duas (2) criaturas. Nunca me lembrei de lhes prometer, pública ou privadamente, um “enxerto de porrada”, sequer um canelão ou um mero olhar enviesado. Deixei, pura e simplesmente de as conhecer e nem sequer os avisei disso. Não valia a pena comunicar a tais insignificâncias que passavam à orwelliana categoria de “unpersons”, de invisíveis, ou de translúcidos, na melhor das hipóteses. Pois querem acreditar que volta que não volta, me topo com as desgraçadas criaturas, mesmo se de há muito deixei de frequentar os lugares que elas assombram? Até na esplanada da Brasileira encontrei uma delas. Outra que jamais manifestara disposição para acordar cedo, passou a frequentar uma esplanada frente ao mar onde durante uma boa dúzia de anos nunca a vira, tanto mais que distava um bom par de quilómetro do antro onde vivia. Arre!
Pessoa amiga que acabou de ler parte deste texto tentou uma explicação: Soares nunca teve por objectivo passar da palavra ao acto (Ele próprio terá escrito que é um homem pacífico e nunca se envolveu em zaragatas pelo que pediria desculpa se tivesse assustado alguém). Pior a amêndoa do que o sorvete! Então anda por aí a distribuir putativas bofetadas e, quando alguém lhe reprova a fúria sanguinária, logo lhe passa a ira, o desejo de desforço, a ameaça trauliteira e eis que de águia passa a galinha pedrês, num cocorico blandicioso e deferente?
O sr Soares não tem condições (nunca teve) para ser ministro seja do que for. É um erro de casting, uma tropelia de mau gosto e pior falta de senso, por muito que isto se pareça com uma república bananeira ou, como (se bem recordo) apontava Eça, através de um seu cónego, um jardim, um “torrãozinho de açúcar”.
Parece que Seabra lhe apontava umas cumplicidades maçónicas sugerindo que ele proteia gente da sua “loja”. Sem desprimor para os cada vez mais raros profissionais do ramo, entendo que Soares só combina com loja na qualidade de marçano aprendiz.
Antes isso que aprendiz de feiticeiro!
No meio desta tola bravata, Soares terá também anunciado umas salutares bofetadas em Vasco Pulido Valente. A distancia que vai dele a VPV mede-se em anos luz de inteligência, cultura, humor, talento para escrever e biografia. Não importa. VPV placidamente e em três palavras retorquiu “cá o espero”.
Nas redes sociais é o delírio: centenas de pessoas riem, gargalham, retorcem-se agarradas à barriga e caem desamparadas no metafórico chão dos twiters s dos facebooks. eu também riria se a coisa não se passasse no meu país e no seio do Governo que o rege. Haja a decência de o mandar para lugar onde não incomode. Por exemplo: consul em Pyong-Yang. Boa viagem!
* Velho ditado e título de um romance de Rebelo da Silva
d'Oliveira fecit