A vitória (in)esperada
Parece que Portugal, ou boa parte dele se transformou no arcanjo Miguel e matou o dragão. Ou seja a Europa. Ou a comissão, ou o Ecofin. Ou os invejosos do Norte que não tem sol (mas tem dinheiro).
A não aplicação de sanções que criou uma patriótica cruzada chefiada à vez por Marcelo e Costa foi insistentemente referida como uma vitória da justiça por todos e até pela dr.ª Ferreira Leite.
Lamento estar, como de costume (arre que vício tão feio!), a contracorrente. Não houve nenhuma vitória nacional apesar das cartas, dos telegramas, dos telefonemas do senhor Presidente e do senhor Primeiro Ministro. Ou do senhor Passos Coelho, o principal interessado em passar través das malhas duras dos Tratados europeus. Afinal era o Governo dele que precisava de ser ilibado...
O novo milagre das rosas europeu chama-se tão só Espanha. Espanha, o nosso parceiro peninsular e, igualmente, o nossos parceiro alvo das hipotéticas sanções.
Estivesse a Espanha fora do deficit excessivo alguém acredita que não comíamos pela medida grande? Mas a Espanha e a sua economia, uma das cinco mais poderosas da Europa, estava atravessada no caminho vingador dos que ainda acham que os tratados devem ser cumpridos (pacta sunt servanda) custe o que custar. Portugal, para um holandês ou um finlandês, é coisa pouca mas com a Espanha a coisa fia mais fino.
Aliás, o senhor Rajov, logo que ouviu a sirene europeia, pôs as barbas de molho e anunciou medidas de redução de despesa que valiam 6.000 milhões de euros. Por cá o Governo fez ouvidos de mercador e persistiu na patriótica ideia de que os tratados eram meros papéis (onde é que eu já ouvi isto?) e que seria uma injustiça punir o já longo e habitual desregramento financeiro. Curiosamente, mesmo sem querer, o Governo actual desculpava implicitamente o anterior Executivo quanto ao deslize do deficit.
Claro que nesta maratona de falsas generosidades financeiras e verdadeiros mergulhos na realpolitik algo ficou destruído: a Europa ou a União Europeia tal como a conhecíamos que começa cada vez mais como uma união a la carte. Este presente ao “nobre povo, nação valente”, é um presente de grego. Hoje perdoam-nos uma multa, amanhã exigirão uma capitis diminutio politicamente mais onerosa. Ou diminuirão verbas com destino ao Portugal.
Vamos pagar a nossa incerta aventura deficitária com língua de palmo. Quando e como é coisa que não se pode antecipar.
d'Oliveira fecit 2-8-16