Sábado, 7 de Novembro de 2015

diário político 207

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A corrida dos lemings para o abismo

 

Há lá para as zonas frias um bicharoco simpático e pequeno que a tradição popular assegura que se suicida em massa em certas alturas. Claro que tal teoria é falsa mas, na verdade, o mito dos lemings em corrida para o abismo tem vida dura e serve bem de exemplo parao que se passa com a rapaziada do PS de Costa.

Por razões que agora me dispenso de pormenorizar, um tempo houve em que fui militante do PS. O partido tinha acabado de averbar uma valente derrota e um velho amigo meu convenceu-me a ir dar o corpo ao manifesto.

Relutantemente, lá me dispus a fazer toda a via sacrificial desde comparecer disciplinadamente às reuniões da secção (como sou pontual era o primeiro e vezes houve que aguardei na rua que alguém chegasse com uma chave para entrar e esperar. Só isso já me chegaria para deixar a militância mas eu era novo (enfim, semi-novo) e queria ajudar.

Para minha surpresa, as reuniões eram algo de surpreendente. Não se discutia política e no que toca à teoria aquilo andava abaixo de zero. Não havia naquela abençoada secção uma criatura que não jurasse por dos pequenos barões da cidade e isso, pelos vistos, substituía a ausência de qualquer ponto de vista teórico. Aquilo parecia a cabecinha do dr João Soares em dia de discussão política. Um horrendo vácuo!

Como tinha algum à vontade e sabia quem eram Antero de Quental, Marx e Proudhon rapidamente subi na consideração dos meu camaradas de tal modo que em poucas semanas era delegado a um congresso da federação e candidato a um lugar decente na respectiva comissão política.

Por razões novamente inúteis lá cumpri a minha tarefa no Congresso mas recusei a honra imerecida de ir para a dita comissão. Mais tarde ainda me quiseram para vereador ou, caso recusasse, para deputado municipal. Recusei outra vez não só porue não queria abandonar o trabalho que tinha e não me seduzia a parlamentarite camarária. ainda fiz parte de um grupo de pessoas que votaram Vitor Constâncio (mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa) mas quando o PS embarcou na moção daquele desastrado Partido Renovador Democrático contra o PPD de Cavaco Silva, deixei de pagar cotas esperando que os competentes órgãos do partido me expulsassem por dívidas. A coisa demorou anos (como se vê a organização era primorosa) mas finalmente pude participar no Conselho Coordenador dos “Estados Gerais” de Guterres como independente.

A tal situação devo um gentil convite para uma mordomia cultural bem paga que obviamente recusei. Mais tarde recusaria mais um par de cargos cuja designação atribuí, por boas ou más razões, à minha familiaridade com alguns membros do Governo. À cautela preferi continuar onde estava e não ser alvo de algum dedo apontado.

Durante todo este tempo, fui verificando que o PS era um aglomerado de pessoas cujas coordenadas político –ideológicas apenas se verificavam na elite do partido. E mesmo assim a coisa não era famosa. soares, Zenha Sampaio, mais uns quantos sabiam ao que andavam. O resto ou era vagamente anticomunista, eventualmente democrata e seguramente contra os ricos. Pouco mais. No campo do anticomunismo se razões havia e são tantas e tão dramáticas quanto a história da Esquerda depois do nascimento da Terceira Internacional (o famoso Komintern), não era por aí que ele se manifestava e orientava. O PS português era uma mistura do republicanismo histórico e “democrático” (de Afonso Costa) da efémera Esquerda republicana dos fins da 1ª República, de mações aventalistas e outra gente (a melhor) que vinha do “reviralho” anti salazarista. Fundamentalmente, dominava a classe média (baixa e média com muita predominância de bancários e outros grupos profissionais afins), professores e rapazes cheios de ardor por bons lugares. Não se via um empresário, sequer um industrial e quando se caía numa discussão sobre as finanças nacionais aquilo era um nevoeiro mais espesso do que o de Alcácer Kibir.

Depois de sair do PS pela porta de serviço, continuei a dar-lhe o meu pobre voto: não havia alternativa capaz à Direita (Credo! Jesus, Maria, José!) e muito menos à Esquerda onde, nesse tempo ainda pregava Pacheco Pereira e um patusco Clube da Esquerda Liberal, a UDP com um solitário deputado no Parlamento, uma sucursal da IVª Internacional traduzida do francês, mas em calão (a LCI), e o “partidão” sempre guiado por Cunhal (e antes por ele –que ao menos sabia ao que vinha, era culto e ideólogo – do que pelos seus minúsculos sucessores!...).

Que o PS e alguns dos seus iluminados líderes andava desnorteado foi visível a partir dos finais do século XX. como política preferiu propor aumento da dívida com recurso a empréstimos “baratos” não reparando em coisas tão simples quanto a estagnação industrial, a baixa continua do PIB em relação ao aumento dos encargos do Estado, enfim, parecendo desconhecer que os milagres keynesianos que pretendia repetir nem sequer nos EUA tinham dado os resultados pretendidos. Foi a guerra e a tremenda expansão industrial que as necessidades militares provocaram, que finalmente tirou o país da boa parte da crise. Keynes deve ser usado e/ou invocado cum grano salis mas isso foi areia demasiada para a prodigiosa cabecinha do senhor “engenheiro” Sócrates e de deu no que tinha quedar: um estoiro cujos ecos e réplicas ainda se ouvem e que provavelmente irão de novo soar imparavelmente sob a batuta de Costa se a mescambilha que prepara for para a frente.

Tudo indica que irá pese o pouco que se sabe do PC.

Para o efeito, entretanto algumas criaturas do PS tem desenvolvido nos jornais, mormente no “Público” alguns argumentos cuja debilidade teórica só é comparável à ignorância histórica que demonstram. A começar por uma respeitável senhora que se afirma mais perto do BE e do PC do que da coligação não se percebendo bem o que isso quer dizer (será a senhora leninista, assumirá como seu o argumento de que a Europa é risível, o euro uma imposição de algum deus nórdico (Thor, Odin?) o défice abaixo dos 3% um papão capitalista e as diferentes versões da famosa “Klasse gegen Klasse” e dos seus sinónimos (social traidor, social fascista) com que os comunistas sempre qualificaram os seus camaradas –isto no caso de ser militante do PS-, terá já, num arrebatamento iluminado, esquecido que durante toda a campanha eleitoral (e, desde sempre, antes) os qualificativos com que o PS foi brindado poe Jerónimo e acólitos? Recordará, porventura, a guerrilha anti-Guterres, a defenestração de Sócrates e a continua desqualificação política, ética e cultural que o PC em nome da “verdadeira Esquerda” sempre bolsou sobre os seus eventuais companheiros de partido?

Num tom menor (se bem que mais responsável por vir de um dos jovens turcos de Costa) surdiu outro esmagador argumento: o PPD (mailo CDS) ter-se-iam afastado do “centro”. Esta afirmação delirante merece um comentário. Para o jovem Pedro Santos (ou algo do género) o PPD e o CDS estiveram no centro mas depois abandonaram-no. Suponha-se que Santos, o “teórico” apenas queria referir o PPD mesmo se, ao que vamos vendo, o CDS se apresente com alguma razão como um partido democrata cristão, se é que ainda alguém se preocupa e sabe o que isso é.

Se o PPD esteve ao centro onde é que estava o PS cujo percurso, medidas e argumentário em quase nada se diferenciou daquele. À esquerda? De quê e de quem? Santos, pelos vistos acha que há em Portugal uma imensa multidão à direita. Vê-se que a criatura não sabe o que é um partido conservador a sério. Provavelmente não sabe francês, inglês, espanhol ou italiano (já não se lhe pede alemão) onde os Cameron, os Sarkozy – nem refiro a criatura Le Pen- os Berlusconi ou o enigmático galego aqui do lado (e o senhor Mas na Catalunha ou a gente que governa os bascos) pois se soubesse, se lesse, se ao menos ouvisse os noticiários estrangeiros alguma coisa aprenderia se é que na suave cabecinha que usa (presume-se) alguma ideia consegue entrar para além da imensa vontade de governar, de começar a ganhar a vidinha com um governo de feição.

No meio desta barafunda, onde os socialistas (ou alguns deles) estão contentíssimos por entrar na categoria (marxista-leninista stalinista) dos compagnons de route, vulgo “inocentes úteis”, verdadeiramente “idiotas úteis” (Stalin dixit), enfim nos lemings lendários e suicidários, só o PC (apesar de tudo um partido com história, memória e convicções fortes) mostra alguma coerência: pode ser que acabe (a minha presunção é qua acaba) por assinar um acordo mínimo com o PS. Todavia, repare-se que ao fim de um mês aquela máquina política irrepreensível ainda anda a tentar digerir o “sapo” (ou o elefante, é uma questão de perspectiva) que terá de engolir. Um inteiro mês!

(fica por analisar a posição do BE: não vale a pena gastar muita cera com tão ruim defunto: à uma cresceu à custa de uma milagrosa transferência de votos claramente de protesto que amanhã irão para ou sítio, sumir-se-ão sem apelo nem agravo. Já se viu o mesmo com o partido eanista de má memória, um cometa breve e irrelevante na política nacional. Depois, e é essa a razão da existência de uma franja esquerdista à esquerda do PC, aquilo é gente que quer um lugar à mesa do orçamento e anda nisso há que tempos. A mouvance trotskista sempre teve uma ideia fixa: o “entrismo” nas zonas sindicais e no aparelho autárquico. Até agora, por cá, nunca o conseguiram: a sua clientela fixa é feita de jovens urbanos desenraizados e indignados que mesmo sendo muitos não estão ligados às tradicionais máquinas militantes. Estar com um pé no poder é uma hipótese aliciante por todos os motivos: há empregos, há permeabilidade possível para entrar nos aparelhos que lhes estão fechados e há, esquecia-me a fé.

A mesma fé que fez o sr padre Silva abandonar as estruturas da Igreja para professar num convento bem mais radical e autoritário como é o comité central do PCP galvaniza comoventemente as criaturas bloquistas

Que o PS de Costa não veja isto, não me admira: o homem só tem uma solução: depois de uma derrota retumbante nas eleições legislativas só a conquista do governo alicerçada numa coligação contra natura o salva do linchamento pelos seus pares. Ou melhor: não o salva, apenas adia. Daqui a meia dúzia de meses, máxime, um ano, cá estaremos para o verificar. Entretanto lá nos iremos “albanizando” (de Albânia a risonha pátria de Enver Hodja que Deus tem e que foi o farol daquele cinzento sr Fazenda que por aí anda sumido e esquecido graças a uma boa dúzia de mulheres bloquistas que ao lado dele parecem ainda mais inteligentes do que na realidade são.)

 

nota 1: não refiro Assis. Se por um lado nunca fui muito à sua missa, por outro, recordo com respeito a atroz via sacra que, como dirigente socialista, cumpriu na terra da srª Fátima Felgueiras. Foi corajoso e foi digno. ´É inteligente e, pelo menos, parece conhecer melhor a história do PS (e o seu eventual ideário) do que toda a gente acima referida.

nota 2: a ilustração de hoje é uma obra de Pancho Guedes, um arquitecto único e irrepetível que acaba de morrer. Tristan Tzara não se enganou quando o reclamou como “o grande arquitecto dada”. Foi isso e mais até: protegeu e lançou artistas que sem ele dificilmente teriam tido percurso quanto mais êxito (Malagantana, por exemplo) Moçambicano por adopção deixa uma extraordinária colecção de “arte negra”, das melhores de Portugal que, espera-se, cá ficará para glória e honra nossa. Pancho, o Panchicho dos tempos de familiares meus em S Tomé, mereceria como Marcel Griaule há anos ou Jean Malaurie (ainda vivo ) que o povo que ele amou o enterre e o recorde. A África merece Pancho e Pancho merece-a absolutamente.

d'Oliveira fecit 

 

 

publicado por mcr às 19:42
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