Na esplanada entre sol e sombra
Hoje, os frequentadores da esplanada estavam assanhados. Falavam pelos cotovelos, sempre civilizadamente mas divergindo resolutamente.
A primeira conversa centrou-se no artigo de opinião de João Miguel Tavares (Público, ultima página) onde este questiona os patrocínios de uma biografia (2º volume) de Jorge Sampaio. Tavares reconhece que estão bem explícitas as menções aos patrocinadores (BPI, Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana, grupo Visabeira, IPRI (Un Nova) Telecom e Mota-Engil!!!)
Tavares não questiona a procura e obtenção dos patrocínios, aliás bem explícitos na contracapa e na introdução da obra. Até elogia o esforço e a tenacidade de quem os procurou e conseguiu. Elogia também o facto de haver quanto a esta obra “mecenato cultural”. Todavia, depois dos elogios, surdem duas colunas que questionam quatro dos mecenas por estes não revelarem a um jornal o valor dos subsídios. E, cereja no bolo, Tavares também “acha estranho” que a FLAD. O IPRI e a FO se tenham “juntado” para criar uma bolsa destinada a apoiar a feitura de biografias de que, para já, apenas consta esta obra.
Tavares, comentarista que, aliás aprecio, acha esquisito que quer as fundações quer as empresas se fechem em copas sobre os montantes concedidos (Tavares chama a isto falta de transparência como se para alem dos relatórios e contas onde estes valores seguramente figurarão as empresas e as restantes instituições devessem andar a informar o excelentíssimo público sobre a largueza das suas benesses. Tavares,tão (e certamente bem) defensor do privado, do liberalismo, acha que toda a gente tem de saber e que todo o empresário deve prestar contas a estranhos. É que aqui não se trata de dinheiro dos cidadãos, mesmo se os patrocínios com mecenato possam, em diminuta proporção aliviar os impostos.
Tavares vem com o argumento de que Sampaio foi Presidente da República e que só isso, que ocorreu há uns bons dez anos é suficiente para indagar de como a sua biografia está a ser escrita. Arre! E que no meio das personalidades envolvidas pelo menos no que toca à bolsa há um antigo assessor de Sampaio (antigo de há mais de uma década...) Tavares, que escreve bem, muito bem, até, deixa no ar a ideia de que aqui há gato escondido. Que esta bolsa seria apenas um artifício para favorecer um idoso ex-presidente da República que agora exerce, alem fronteiras um trabalho internacional. E que isso, está nas entrelinhas, o compromete ou pode comprometer.
Eu, com a devida vénia, amigo de Sampaio desde os anos 60 (convém esclarecer para que não pairem dúvidas) tenho sobre esta obra de Castanheira um bem diferente parecer. É um tijolo! Um tijolaço. Uma tremenda chatice. Estas duas mil páginas, para o leitor comum poderiam ser trezentas ou quatrocentas desde que bem centradas no que realmente foi importante. E Sampaio foi importante, antes (sobretudo) e durante a Presidência. Com inteligência e rigor e um estilo menos pesado teríamos uma bela obra. Em Portugal, a biografia é terreno baldio e mal cuidado. Nesse capítulo que diferença com a Inglaterra, a França ou a Alemanha! Claro que não peço a Castanheira a verve, o espírito e a intelig~encia narrativa dum Stefan Zweig que tantas biografias deixou. A Zweig o que é de Zweig e a Castanheira o que entenderem.
Somos um país que desconfia de biografias ou de “memórias” (neste capitulo estou a lembrar-me já que se anda em comemorações de Raul Brandão das suas “Memórias” -que, por exemplo, com as José Relvas e o Diário” de João Chagas são fulcrais para se perceber os anos 10 a 30 do século passado). A última biografia que li com proveito foi a de Salazar por Filipe Ribeiro de Meneses que evita a maçadoria de ler os tijolos hagiográficos de Franco Nogueira. Ora aí está como, com um terço do volume, se faz bem melhor obra do que com as cerca de 2500 páginas de FN por muito meticulosas e esclarecedoras que estas sejam.
*** No mesmo local e pouco depois
Desta feita a conversa girou à volta das eleições para A Câmara do Porto. Ninguém conseguia perceber a razão que leva o PS a não se candidatar. Ou melhor, todos estavam de acordo que o primeiro motivo era evitar uma derrota igual ou maior do que a anterior.
Desde o malogrado regresso do dr Fernando Gomes que foi friamente chacinado por Rui Rio, que o PS não sabe o que fazer no Porto. Não deixa de ser verdade que na cidade a Federação Socialista é uma espécie de clube de lutas de galos com a agravante de tal actividade ser ilegal, ilegítima e desacreditada. Com a gens socialista passa-se o mesmo. A rua não os conhece, as elites não os respeitam, os poucos socialistas que aparecem escafedem-se pelas esquinas. Não há uma ideia do PS para a cidade a menos que a governação de Rui Moreira a personifique. Os últimos candidatos socialistas à CML ou não ocuparam os seus lugares na vereação ou fizeram-no com tal discrição que deles não há memória. Nem boa nem má. Não existiram, ponto, parágrafo. Todavia, isso, essa arrastada e triste existência não pode servir de pretexto para desistir de aparecer. Por muito desgastada (e com razão) que seja a imagem do PS ela ainda consegue superar as dos dois outros parceiros da geringonça que também não atinam com a cidade. É verdade que, nas páginas mais folclóricas de um jornal citadino ainda se cobrem as declarações estertorosas dos vereadores da oposição mas, na generalidade a ideia que perpassa da irrisória actividade deles é que anda tudo na clandestinidade. Parafraseando: “assim se vê a força de não sei quê”.
Estas criaturas não riscam, não arriscam e muito menos beliscam os tradicionais poderes municipais. Ou então emigraram todos para outras paragens mais propícias e deixaram isto entregue a quem quiser fechar a luz e a porta.
Nem assim o PS se acha obrigado a ir à luta. Ou seja, assim nem valia a pena gastar dinheiro com o processo eleitoral. Ou então, pensam que sem oposição Rui Moreira não mobilizará a mesma multidão que o elegeu há quatro anos!...
E a conversa morreu mansamente, à dúbia luz coada pelas nuvens que anunciam uma eventual Páscoa molhada.
A vitória (in)esperada
Parece que Portugal, ou boa parte dele se transformou no arcanjo Miguel e matou o dragão. Ou seja a Europa. Ou a comissão, ou o Ecofin. Ou os invejosos do Norte que não tem sol (mas tem dinheiro).
A não aplicação de sanções que criou uma patriótica cruzada chefiada à vez por Marcelo e Costa foi insistentemente referida como uma vitória da justiça por todos e até pela dr.ª Ferreira Leite.
Lamento estar, como de costume (arre que vício tão feio!), a contracorrente. Não houve nenhuma vitória nacional apesar das cartas, dos telegramas, dos telefonemas do senhor Presidente e do senhor Primeiro Ministro. Ou do senhor Passos Coelho, o principal interessado em passar través das malhas duras dos Tratados europeus. Afinal era o Governo dele que precisava de ser ilibado...
O novo milagre das rosas europeu chama-se tão só Espanha. Espanha, o nosso parceiro peninsular e, igualmente, o nossos parceiro alvo das hipotéticas sanções.
Estivesse a Espanha fora do deficit excessivo alguém acredita que não comíamos pela medida grande? Mas a Espanha e a sua economia, uma das cinco mais poderosas da Europa, estava atravessada no caminho vingador dos que ainda acham que os tratados devem ser cumpridos (pacta sunt servanda) custe o que custar. Portugal, para um holandês ou um finlandês, é coisa pouca mas com a Espanha a coisa fia mais fino.
Aliás, o senhor Rajov, logo que ouviu a sirene europeia, pôs as barbas de molho e anunciou medidas de redução de despesa que valiam 6.000 milhões de euros. Por cá o Governo fez ouvidos de mercador e persistiu na patriótica ideia de que os tratados eram meros papéis (onde é que eu já ouvi isto?) e que seria uma injustiça punir o já longo e habitual desregramento financeiro. Curiosamente, mesmo sem querer, o Governo actual desculpava implicitamente o anterior Executivo quanto ao deslize do deficit.
Claro que nesta maratona de falsas generosidades financeiras e verdadeiros mergulhos na realpolitik algo ficou destruído: a Europa ou a União Europeia tal como a conhecíamos que começa cada vez mais como uma união a la carte. Este presente ao “nobre povo, nação valente”, é um presente de grego. Hoje perdoam-nos uma multa, amanhã exigirão uma capitis diminutio politicamente mais onerosa. Ou diminuirão verbas com destino ao Portugal.
Vamos pagar a nossa incerta aventura deficitária com língua de palmo. Quando e como é coisa que não se pode antecipar.
d'Oliveira fecit 2-8-16
Para que serve o referendo?
A senhora Catarina Martins proferiu um discurso muito aplaudido no convenção do seupartido. É normal. Os líderes são sempre muito aplaudidos digam eles o que disserem. Quando a feira encerra, estala o foguetório e toda a gente corre para apanhar as canas.
O BE está ainda em maré alta, fruto não tanto da real vontade de mudança dos portugueses mas tão só de uma aliança dirigida contra a Direita (ou o que exageradamente se considera como tal, e espero nunca ver uma Direita a sério como por exemplo o PP espanhol ou os “republicanos” franceses). Se os leitores bem se recordam, o PSD/CDS ganhou as eleições mas Jerónimo de Sousa, um derrotado, conseguiu convencer António Costa outro ainda mais derrotado (face às espectativas) a inverter o resultado apostando numa aliança de que o primeiro tem sido o mais recompensado mesmo se o segundo esteja tão só a ganhar tempo e espaço para sacudir os incómodos sócios e governar se conseguir (como espera) uma maioria nas próximas eleições que ocorrerão logo que o PS julgue poder ganhá-las.
Não referi o BE no anterior parágrafo mesmo se não ignore o seu expressivo resultado em votos e mandatos. Creio que tal votação assentou num voto de protesto contra a austeridade que terá mesmo mobilizado largas fatias de eleitorado “social democrata”. A perda do PPD não se transferiu para o PS mas sobretudo para o BE num claro sinal de irritação e desconfiança de eleitores classe média que se sentiram “roubados” e não pensaram que tal voto fosse decisivo (e de facto, à luz dos costumes tradicionais na formação de governos não o seriam) para modificar a situação política.
Creio, também, que o BE (que todavia já sentira na pele o “efeito acordeão” de votações sucessivas e desencontradas) terá julgado que a sua súbita boa fortuna se devia à sua acção propagandística. Não deixa de ser curioso o facto deste partido não ter influência que se veja em sindicatos, movimentos sociais ou autarquias mas apenas em lugares no parlamento.
Deixemos, entretanto, a curiosa vacuidade do BE e analisemos o discurso de Martins no que toca a um implausível referendo. A ingénua senhora não leu seguramente os tratados a que Portugal se obrigou no que toca às obrigações dentro da União Europeia. Também não deve compulsarcom a devida frequência qualquer modesto dicionário de língua portuguesa como veremos.
Em primeiro lugar, seria bom esclarecer a fogosa líder bloquista do irremediável facto de, ao não cumprir os limites impostos do deficit, haver lugar a sanções. A coisa está bastamente escrita e já foi glosada de todas as formas e feitios. Quem não cumpre come com uma multa. Ponto final.
Se tal multa tem, ou não, sido aplicada como se deve é outra questão e suscita problemas diferentes que poderão, ou não, sugerir um pedido português para escapar ao estipulado.
Vir agora, em tom arrebatado, exigir da Europa outra atitude (ou melhor dizendo, sic: (não) aplicar uma sanção inédita, inaceitável e provocatória pelo mau desempenho das contas” do anterior Governo) ameaçando “pôr na ordem do dia um referendo para tomar posição contra a chantagem”.
Desconhece-se, provavelmente por mau feitio próprio, onde reside a chantagem e sobretudo em que é que uma sanção regularmente prevista pode ser provocatória, inaceitável ou sequer inédita.
Reside neste grupo de palavra aquilo a que, enquanto cidadão pagador de impostos (de onde uma parte vai para o parlamento para pagar as tropelias discursivas de dona Catarina & coleguinhas), este cronista chama ignorância pura da língua nacional e do significado das palavras que a senhora Martins usa.
Depois, é patética a ideia de convocar um referendo sobretudo quando tal atitude envolve a direita mais sinistra e canastrona que a Europa vai segregando, graças também, é bom recordá-lo, às tolices de uma esquerda que vem do passado mais estalinista e vergonhoso, duma esquerda que nada aprendeu mas tudo esqueceu.
Claro que, depois da ameaça infantilóide e ridícula, mais nehuma força política se moveu, sequer mostrou especial indignação. Aquilo, aquele arroto de histeria política, ficou dentro da sala congressional e, pelos vistos, nem aí foi tomada muito a sério.
O país, embriagado pelo sucesso futebolístico contra a Croácia, também não pestanejou. Duvido mesmo que tenha sequer ouvido o apelo de Martins, o histérico nacionalismo bacoco que representa e a crassa ignorância do que está em jogo.
A senhora Catarina Martins não gosta da União Europeia. Como a senhora LE Pen em França, acrescente-se ou como outros variados eurocépticos que juntam a essa fobia outras mais quais sejam um sólido horror aos estrangeiros, ao capital ou aos imigrantes que não querem suportar.
De todo o modo, têm sido a União Europeia, as organizações inter-estaduais e comunitárias que a antecederam que são o garante da paz e do bem estar dos europeus. Portugal, pese a sua pequenez é um beneficiário líquido da União quer em fundos quer em acolhimento de milhões de emigrantes que na UE trabalham, prosperam e são respeitados.
Vir agora com farroncas e ameaças vãs e tontas é apenas, isso sim, algo de vagamente provocatório quer para os europeus quer para os cidadãos portugueses que aturam benevolentemente os espirros assanhados de Catarina. Os primeiros nem lhe ligam e os segundos, nós, têm direito a não serem incomodados por quem não fala em nome deles se é que fala em nome de alguém.
É tempo de Catarina crescer se é que isso (politicamente) ainda é possível.
E de ler os tratados e, já agora, de passar as mãos pelo dicionário. Nem que seja o da Academia, o tal que terminava no fim da letra A.
Canavilhas 2
A senhora Canavilhas insiste. Na televisão e no jornal Público (que ela diz ser o seu jornal de referência) veio agora dizer que o Público (não a policia!) mentiu ao falar em 15000 manifestantes e não no número apresentado pela FENPROF, por acaso parte interessada na matéria. E acha que o uso (ou abuso?) do twiter se reveste de um carácter ligeiro pelo que, presume-se, toda a burrice é desculpada.
Na televisão veio com ar cândido e ofendido afirmar que tem direito à sua opinião como se a sugestão de despedir uma jornalista fosse uma opinião tão inocente quanto aquela que temos de um romance.
Quando, sendo apesar de tudo uma figura pública, se pergunta porque é que uma profissional que cita fontes respeitáveis não é despedida está-se a macaquear o antigo Estado Novo que despedia profissionais em todo o lado (directa ou indirectamente) por delito de opinião, que prendia pelo mesmo motivo (e estou á vontade para o testemunhar) ou outros regimes que parecendo ter cor diferente partilhavam o mesmo horror visceral à liberdade de imprensa.
A senhor Canavilhas é livre de soltar quanta tolice quiser e for capaz e, agora vê-se, no seu argumentário que pode ir longe nesse domínio, mas o facto de ser contraditada nos seus propósitos inquisitoriais e espurgadores não é uma ameaça a nenhuma liberdade dela. Bem pelo contrario: ao censurar-se-lhe de viva voz a sua posição partidária e sectária está-se a defender a liberdade de quem ela ataca e a dela própria se é que a senhora Canavilhas percebe o que aqui vai escrito. Ela pode odiar a jornalista em causa, amar desmesuradamente o senhor Vitor Nogueira e a frente que ele representa, julgar que a escola pública é um paraíso e a privada um infame complot de capitalistas, imperialistas, monopólios e forças obscuras da reacção, a mão invisível do clericalismo mais obscurantista. Está no seu pueril direito. O que não pode é seja ela quem for (ou quem se julga!...) propor medidas coercivas contra quem nada mais faz do que ser uma jornalista.
Ao publicar-lhe a triste prosa, o Público, dá-lhe mais uma lição de civismo, liberdade e tolerância. Será que a criatura aprende?
d'Oliveira fecit 21.06.16